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Juíza diz que Lei Maria da Penha foi um ‘divisor de águas’ contra impunidade

juiza rita martins semdh foto jose lins (2)A juíza Rita de Cássia Andrade, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de João Pessoa, avalia que a Lei Maria da Penha foi “um divisor de águas” no Brasil, porque trouxe proteção e assegurou uma série de direitos às mulheres. “A lei 11.340/06 é considerada um dos grandes avanços legislativos do século XXI, sendo vista como a terceira lei mais importante do gênero no mundo pela  avaliação da ONU”, avalia a juíza, que tem nas mãos 3.179 processos ativos de violência contra a mulher.

Nesta quarta-feira (7), a Lei Maria da Penha completa sete anos de existência. De 2006 até 2012, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 registrou 3 milhões de atendimentos. Os relatos de violência cresceram 700%: 88.685, em 2012, e 12.664, em 2006. Os dados são da Secretaria de Políticas para as Mulheres, responsável pelo disque-denúncia.

Em 2012,  a Paraíba ficou em 24º colocado no ranking por Unidade Federativa, segundo a taxa do total de atendimentos por número de população feminina. Foram registrados 7.484 atendimentos. No total, 92 municípios paraibanos procuraram o serviço.

Antes da legislação inovadora, existia uma conjuntura de completa impunidade.  “A lei  MP criou uma situação nova.  A violência sempre existiu, e, por muitos anos, foi tratada como crime de menor potencial ofensivo, como crime de menor importância, disciplinado pela Lei 9.099/95, dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.  E que o acontecia?   No geral, após o feitura do Boletim de Ocorrência na delegacia, e remetido o procedimento para a Justiça,  a vítima e acusado  podiam  fazer uma composição, ou seja, desistir ou aceitar certo valor em dinheiro, como recompensa, ou ainda ser obrigada a aceitar uma transação penal proposta pelo Ministério Público, resultando  em   prestação de serviço a comunidade pelo agressor ou pagamento  uma cesta básica a uma instituição de fins filantrópicos”, explica juíza.

Para ela, a situação levava a um sentimento generalizado de impunidade e descaso.  “Muitas mulheres foram mortas ou agredidas nesse período,  muitas desistiam das ações,  porque, no final, elas viam que o processo não conduzia a nenhuma forma de punição  e, muitas vezes, elas é que pagavam a pena pecuniária aplicada, porque o agressor era desempregado.  Muitas delas ainda relatavam o  deboche dos agressores com esse tipo de pena”, afirma a juíza.

Já os processos revelam os tipos de violência que mulheres são vítimas em pleno século XXI. Desde lesão corporal, ameaças, crimes contra a honra, vias de fato  – as pequenas agressões como chutes, puxão de cabelo, arranhões, pequenas queimaduras, empurrões, quedas -, passando por crimes de violência sexual ( estupro, ato libidinoso, crimes contra costumes). Os casos de homicídios, infanticídio e instigação ao suicídio, além de aborto são enviados para o Tribunal do Júri.

A média de processos arquivados desde a instalação chega a 927 e decorrem de várias situações, que vão desde a condenação e cumprimento da pena, absolvição e retratação da vítima. No geral, 20% das mulheres ainda desistem de manter o processo até o final. Para a juíza, um decisão importante, neste caso, foi o resultado do julgamento pelo  Supremo Tribunal Federal da  AdI 4424, da PGR, quanto a Constitucionalidade do art. 12, 16 e 41 da Lei 11.340/2006,  o qual   considerou desnecessário a representação da vítima para  a abertura da ação penal  nos crimes de ação pública condicionada,  não se aplicando a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95). Antes havia uma interpretação equivocada do art. 16, sobre a necessidade da vítima comparecer em juízo para reafirmar o seu interesse em seguir com a ação penal, constituindo um obstáculo à efetivação do direito, porquanto a proteção completa e eficiente da norma.

“Antes era marcada audiência para a mulher dizer se iria continuar ou não com a representação.  Mas, mas com o tempo houve a correta interpretação da lei, e o STF corroborou decidindo,ainda,  sobre a questão da lesão corporal leve, de natureza pública incondicionada,  onde a mulher, de igual modo, não pode desistir.  Agora, ela só pode se retratar em alguns casos  e,  antes do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, a exemplo  dos crimes de ameaça, os crimes contra a honra,  casos do crime de dano simples  praticado sem violência,  explica a juíza.

Outro avanço considerado essencial são as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor a suspensão da posse e restrição de porte de arma; afastamento do lar, do domicílio ou convivência com a vítima e a preservação das testemunhas. “No grande contexto os homens atendem, quando não atendem a mulher mesmo faz a denúncia na Justiça ou Polícia Judiciária. O problema é que nós não temos, ainda, quem acompanhe se a medida é cumprida. Poderíamos ter um agente de proteção das mulheres,  que acompanhasse e fizesse a vigilância das medidas protetivas”, explica.

Rede de Enfrentamento

A Rede de Atenção a Mulher, Criança e Adolescente Vítima de Violência (Reamcav). A Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana, do governo do Estado, é uma das articuladoras da Reamcav. Para a juíza, a rede vem funcionando de maneira evolutiva. “Nós lidamos com preconceito, e não conseguimos mudar a consciência de um povo em sete anos. O crime contra mulher tem vários aspectos envolvidos, incluindo-se o elemento cultural, social e, principalmente, educacional, que se manifesta dentro dos próprios lares e se reproduz  na família, nos relacionamentos afetivos,  indicando, via de regra,  qual o tipo de comportamento o menino ou o jovem terá em relação à mulher quando adulto. O ciclo da violência é crescente e geracional”, explica a juíza.

Diante da dimensão do problema da violência doméstica,  em termos do alto número de mulheres atingidas, quanto das consequências  psíquicas, sociais e econômicas,  a criação dos Juizados de Violência Doméstica foi considerada fundamental para o fortalecimento da rede de atendimento às mulheres vítimas de violência, composta pelos eixos de prevenção, combate,  assistência e garantia de direitos.  “A lei chegou e pedia urgência na criação de Juizados Especiais para tratar a questão de forma específica, particularizada, mas nem todos os Tribunais de Justiça conseguiram implantar, imediatamente, essas unidades especializadas”, afirma.

Hoje, o Tribunal de Justiça da Paraíba mantém em funcionamento desde 2012 duas Varas Especializadas, uma na Capital e outra em Campina Grande. O TJ também está construindo o Complexo da Mulher, na rua das Trincheiras, que terá um Memorial da Mulher, a Coordenadoria da Mulher e o espaço para mais uma Vara da Mulher.

 Sobre o Juizado                                                               

O Juizado foi criado por determinação do CNJ, através da resolução 128. A Coordenadoria Estadual da Mulher funciona desde 2012 com a juíza Rita de Cássia como coordenadora. O Juizado tem uma equipe multidisciplinar com psicólogo, assistente social e psiquiatra, além de técnicos e auxiliares e espaço físico próprio. O TJ mantém em execução o projeto Justiça em seu Bairro, que leva a divulgação da Lei Maria da Penha para comunidades e instituições. É integrante da campanha Compromisso e Atitude, para dar agilidade no julgamento aos processos de violência contra a mulher. “Estamos acompanhando os casos emblemáticos, como Aryane Thays, Brígida e o estupro coletivo e morte de duas mulheres de Queimadas”, disse a juíza.